domingo, 19 de setembro de 2010

O enterro da “Lei de Gérson” ou o cuidado de si

Posto este texto q escrevi (agora sim Jao) em 2006, mas que me parece atual, infelizmente...

2006 (2010). Ano de termos esperança. Mais uma vez. De quatro em quatro anos esse sentimento nos é posto ouvidos adentro, num ciclo interminável. Como meus caros leitores devem suspeitar não falo de futebol, mas de política. Mais precisamente sobre eleições. Esperança, desilusão, decepção, revolta, esperança, desilusão... Nessa interminável roda viva alguns de nós se cansam, outros, mais jovens, entram em cena, renovam o fôlego, apresentam indícios de uma mudança, de uma política sem corrupção e, novamente, novas decepções.
Esse ciclo nos parece infinito, único, intransponível. Penso, no entanto, que já é hora de inovar, de buscar alternativas. Não, ansioso leitor, não descobri um método infalível para acabar com a corrupção na política brasileira. Desculpem-me se lhes dei essa impressão. Mas, por outro lado, acredito que um bom começo para tal empreitada esteja muito mais próximo do que imaginamos: o cuidado de si.
Obviamente que não falo de cuidados com a saúde (embora sejam imprescindíveis), menos ainda com a aparência, mas sim com nossa conduta, com nosso comportamento frente ao próximo, frente à sociedade. Explicarei melhor: pensemos, inicialmente, no comportamento de políticos que se organizam e criam um “mensalão” para garantir votos a favor de suas emendas e projetos. Pensemos também naqueles políticos que fraudam privatizações e licitações, combinando previamente com empresas que lhes garantem apoio financeiro em suas campanhas. Pensemos ainda naqueles políticos que superfaturam obras, compras de ambulância, ou que desviam verbas de educação, previdência, etc para fins particulares.
Caro leitor, nessa altura você já deve estar um tanto irritado, apenas por lembrar de falcatruas que normalmente vemos nos noticiários. E é bom que esteja, afinal, não concordas com tal conduta, certo?
Agora quero que pense naquele “seu amigo”. Aquele um, que segue à risca a “Lei de Gérson”, daquela frase infeliz, “o importante é levar vantagem em tudo, cerrrto?” Lembre-se, agora, daquela ocasião em que “seu amigo” ofereceu dinheiro ao policial rodoviário para não levar multa. Lembre-se também daquela vez, que “seu amigo” subornou o segurança da “balada” para entrar sem comprar ingresso e ainda riu de sua cara por você ter pago. Lembre-se daquela oportunidade em que “ele” não avisou ao balconista que seu troco veio com dinheiro à mais ou daquela ocasião em que ele conseguiu pegar duas comandas num self-service e comeu sem pagar.
 Lembre-se daquela ocasião em que “ele” utilizou-se de notas frias no comércio. Ou como conseguiu burlar a declaração de imposto de renda. Lembre-se como “ele” conseguiu aquele aumento, ao ser desleal com seus colegas de trabalho.
Lembre-se de todas as artimanhas que “seu amigo” utilizou para sair com algumas vantagens em outras ocasiões. Exemplos, certamente, não faltam.
Pergunto, então: qual, exatamente, é a diferença entre o comportamento do político corrupto e do “seu amigo”? Qual é a diferença entre comprar votos e subornar quem quer seja para benefício próprio? Qual é a diferença entre um político que desvia verbas de educação e seu amigo, que come de graça porque conseguiu enganar o dono do restaurante?
Não é fácil responder essas perguntas. As situações são diversas e deveriam ser analisadas separadamente. Mas, quero arriscar uma resposta: acredito que a diferença entre o seu amigo e o político seja, apenas, uma questão de oportunidade! As diferentes dimensões das consequências que tais comportamentos proporcionam é fruto das diferentes posições sociais ocupadas. Ou será que se “seu amigo” estivesse na posição do político, ele atuaria de forma mais ética e honesta?
Será que nossa passividade e conivência frente às mais diversas denúncias de corrupção e fraudes não estão relacionadas com nosso comportamento anti-ético no dia-a-dia? Será que a “Lei de Gérson” realmente caracteriza a todos nós?
O caminho para uma mudança de atitudes é difícil, somos bombardeados a todo instante com slogans e frases de efeito sobre ser “o” melhor, ao invés de “os” melhores, sobre ser “o” mais esperto ao invés de ser “o” mais justo.
Já é hora, no entanto, de mudarmos nosso comportamento nas diversas ocasiões cotidianas, de nos posicionarmos com firmeza ante as tentações de termos benefícios injustos. É hora de enterrarmos a “Lei de Gérson”. Nossos atos anti-éticos, supostamente inocentes, podem ser muito mais significativos do que pensamos. É hora de nos policiarmos. De re-aprendermos a ser pessoas mais cooperativas ao invés de competitivas. É hora de nos desligarmos dos imediatismos consumistas e materialistas do nosso cotidiano e começar a elevar nosso pensamento, nossa alma, para além dos limites que nos é imposto. É hora do cuidado de si, para que, então, possamos cobrar o mesmo comportamento de nossos representantes.
O desafio, paciente leitor, está lançado. 


Né?!